De olho nos dados #3: de quem é esse site?
Hoje em dia, um dos nossos principais desafios é combater as fake news. O ecossistema da desinformação normalmente envolve sites que se passam por veículos jornalísticos, mas que na verdade são panfletos ideológicos sem compromisso com a verdade. Essas páginas corroem não apenas a credibilidade da imprensa, mas a própria democracia.
Como você já sabe, vários desses sites são mananciais que abastecem influenciadores do Twitter, do Facebook e do Instagram. Gente que escoa chorume em troca de likes, poder ou grana. Às vezes, tudo isso junto. Além disso, nossos tios e tias do Zap costumam se “informar” por essas páginas – que tentam manter um verniz de “jornalismo”.
Por tudo isso, é fundamental descobrirmos os responsáveis pelas redes de desinformação. Quem são os donos dos sites? Quais são suas relações com o poder (público e privado)? Como se mantêm financeiramente? Pra mim, essas são as principais perguntas que devem nos nortear durante uma apuração sobre o tema.
Facebook e Digital Forensic Research Lab mapearam, no começo de julho, uma série de contas que eram usadas para espalhar conteúdo falso em redes sociais. Em comum, elas eram mantidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. As páginas foram removidas do Facebook e do Instagram. Se você ainda não viu a pesquisa do DFRLab, veja. O trabalho foi feito de forma brilhante.
Entre as contas derrubadas, estão as de Bolsoneas, mantidas por Leonardo Rodrigues de Barros Neto. Alguns dias antes da ação do Facebook, um texto veiculado no site Jogo Político afirmou que o perfil Bolsoneas já havia sido excluído do Twitter.
A investigação do DFRLab já mostrou que Leonardo Barros não apenas é o responsável pelos perfis Bolsoneas. Ele também é o dono do site Jogo Político. De qualquer forma, proponho um exercício: como descobrir a relação dele com o domínio jogopolitico.com.br? Sim, é fácil ser engenheiro de obra pronta. Eu sei. Mesmo assim, os fundamentos que servem de alicerce para esta pesquisa podem ser úteis para outras apurações. Então, vamos nessa.
O primeiro passo para descobrir o dono de um site é a ferramenta de consulta “Whois”. No caso de páginas brasileiras (com final .br), devemos olhar em Registro.br. De cara, já dá para ver o nome do dono do domínio, CPF (ou CNPJ), data de criação do site e e-mail de contato.
Apesar de o texto do Jogo Político informar que Leonardo Barros era o responsável pelos perfis Bolsoneas, a “matéria” não indica que ele também é o dono do site. Assim como outras páginas de desinformação, no Jogo Político também é complicado encontrar quem são os responsáveis pelos textos.
Com uma pesquisa no Google ("Leonardo Rodrigues de Barros Neto" site:gov.br), vemos que o dono do site Jogo Político foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. (Na DOND #1, falo sobre busca avançada no Google.)
No entanto, não encontrei sua nomeação em uma busca no Diário Oficial do Rio de Janeiro. Não é a primeira vez que o site da Imprensa Oficial fluminense me deixa na mão. O serviço é bem fraco, aliás.
Uma alternativa é pesquisar no Google: “Leonardo Rodrigues de Barros Neto” AND nomear. No primeiro link, vemos um repositório com o Diário Oficial de 4 de fevereiro de 2019, que informa que Leonardo foi contratado para trabalhar no gabinete da deputada bolsonarista Alana Passos, do PSL. Já o terceiro resultado da busca mostra que ele foi exonerado em 30 de abril deste ano. Ou seja, o assessor recebia dinheiro público enquanto fazia proselitismo político na internet.
Um outro exemplo que quero trazer hoje é sobre a propagação de desinformação relacionada à covid-19. Neste domingo, o site Estudos Nacionais publicou um texto que afirma que a vacina contra o novo coronavírus testada em São Paulo é feita a partir de células de bebês abortados. Com uma extensão no Chrome, dá para ver quem compartilhou a página nas redes sociais. Para isso, precisamos instalar o CrowdTangle no nosso navegador.
O CrowdTangle mostra que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro são os principais divulgadores da “matéria” sobre a vacina. E quem é o responsável pelo site Estudos Nacionais? O domínio (estudosnacionais.com) não termina em .br, por isso usaremos uma outra ferramenta para descobrir o Whois. O site ViewDNS traz MUITAS (e ótimas) possibilidades para essa apuração. Hoje, usaremos o campo “Domain / IP Whois”. Aqui vale um parênteses: os donos de domínio podem esconder suas identidades. Nesse tipo de pesquisa, frequentemente você só vai encontrar informações relacionadas aos serviços que hospedam determinado site, como GoDaddy.
O resultado: o estudosnacionais.com está registrado no nome de Cristian M. Derosa. E com uma busca simples no Google logo vemos o nome completo dele. Em seguida, vamos tentar levantar possíveis relações de Cristian com o poder público: "Cristian Madalena Derosa" site:gov.br. Pois é, ele também foi assessor de um político bolsonarista. Entre abril e julho do ano passado, Cristian esteve lotado no gabinete do deputado estadual Jessé Lopes, do PSL de Santa Catarina.
Um outro recurso que pode ser interessante é passar um pente-fino em redes sociais de influenciadores. Por exemplo, quero descobrir quais são os principais sites compartilhados pelo deputado Eduardo Bolsonaro no Twitter. Para isso, vou usar o Social Bearing. A plataforma faz uma análise dos últimos 3200 tuítes de uma conta.
Entre os sites mais compartilhados por Eduardo Bolsonaro, estão Conexão Política, Brasil Sem Medo e Senso Incomum – todos propagadores de desinformação. Agora, com ferramentas que podem te ajudar a descobrir de quem são esses sites, é hora de levantar nomes, CPFs e CNPJs para apurar se eles mantém relações com o poder público.
Com essas informações em mãos, você pode pesquisar no Portal da Transparência para tentar descobrir se algum deles é funcionário federal ou se já recebeu recursos públicos, por exemplo. Será que donos de site estão lotados na Câmara dos Deputados ou têm empresas beneficiadas pela cota parlamentar?
Boa sorte com a apuração! Se render matéria, me conta. Para compartilhar suas reportagens comigo e com outros leitores desta newsletter, use a hashtag #deolhonosdados no Twitter. Que tal?
E se você quiser compartilhar dicas de ferramentas ou me contar bastidores do seu trabalho, por favor, me dá um toque. Vai ser um prazer trocar ideia. Assim, a gente espalha a palavra pra mais gente. Quer ajuda numa apuração? Também pode contar comigo.
Hoje, fico por aqui. Mas estou sempre de olho nos dados!
Um abraço e até a próxima.