O primeiro turno das eleições será no dia 15 de novembro, e as próximas semanas devem ser de muito trabalho para quem está fazendo a cobertura do pleito. Aqui vão algumas dicas que podem te ajudar nas apurações eleitorais.
DivulgaCand
O site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do TSE, possibilita a consulta das principais informações dos candidatos – entre elas, nome completo, nome de urna, partido, data de nascimento, CPF, ocupação, situação do registro de candidatura, declaração de bens, certidões criminais, receitas e despesas de campanha.
#PraCegoVer: Imagem da página inicial do site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, onde se lê: Eleições Municipais 2020. Consultas por regiões brasileiras: Brasil, Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Como exemplo, pesquisarei candidatos a prefeito da cidade onde moro. Para isso, clicarei na região Sudeste, Minas Gerais e candidatos. Na página seguinte, digitarei o nome do município: Belo Horizonte. Em seguida, já aparecem os nomes das 15 pessoas que concorrem à prefeitura. (Caso queira buscar por políticos que disputam outros cargos, é preciso selecionar vereador ou vice-prefeito.) Clicarei em Bruno Engler, do PRTB.
Embora estejamos a um mês da eleição, Engler ainda não cadastrou sua proposta de governo no site do TSE. Nos perfis dos outros 14 candidatos, é possível encontrar essas informações em “Documentos”. Na página de Engler, também ainda não há prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. Ou seja, não sabemos se ele já recebeu doações e como está gastando com a campanha.
Em relação à lista de bens declarados pelo candidato do PRTB, podemos acessá-la abaixo do campo “Consultas”. Ele declarou um patrimônio de cerca de R$ 162 mil. Apesar de atualmente vermos que ele é dono de um carro Renault Sandero RS, até poucos dias atrás a página de Engler mostrava outra informação. O candidato afirmara que tinha um Ford Ka, de 2015, avaliado em R$ 47.990. Parêntese: a versão top de linha de 2015 do Ka custa, em média, R$ 34.236.
Voltando para a página principal do candidato, vamos verificar a evolução patrimonial de Engler. Para isso, clicaremos em “Eleições Anteriores”, que fica abaixo de “Lista de bens declarados”. Vemos os links dos pleitos que ele disputou, em 2016 e 2018.
Em 2016, ele concorreu ao cargo de vereador e declarou apenas um bem: um Ford Ka, avaliado em R$ 20 mil. Não se elegeu. Na eleição seguinte, em 2018, continuou com o Ford Ka como único patrimônio. Mas o valor do carro subiu para R$ 37.973. Na época, ele afirmou ter doado R$ 3.347 para a própria campanha. Quer dizer, mesmo sem vender o veículo, Engler doou quase 9% de todo o seu patrimônio. Outra questão que salta aos olhos é como o valor do Ford ka, modelo 2015, aumentou no decorrer dos anos. Entre 2016 e 2020, de acordo com as declarações do candidato, o veículo se valorizou cerca de 140%. A inflação (IPCA) acumulada no período foi de cerca de 14%.
Engler se elegeu deputado estadual em 2018. Atualmente, seu salário líquido é de R$ 18.711. Portanto, é possível que ele realmente tenha acumulado (legalmente), em cerca de 20 meses, os quase R$ 112 mil que declarou ter agora em investimento de renda fixa e na conta corrente.
Aqui vale uma observação, não necessariamente relacionada a Bruno Engler: frequentemente, candidatos omitem bens à Justiça. É uma prática ilegal, mas que não costuma render punições aos políticos. O senador Flávio Bolsonaro, o filho “Zero Um” do presidente, é investigado por ter omitido patrimônio nas eleições de 2014 e 2016.
Agora vamos olhar o candidato à reeleição da prefeitura de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Em 2016, ele foi o maior doador da sua própria campanha, tendo desembolsado R$ 2,2 milhões – o que representa quase 63% do total arrecadado. Mas, na época, todos os seus bens somavam cerca de R$ 2,8 milhões. Atualmente, seu patrimônio declarado à Justiça Eleitoral chega a quase R$ 3,7 milhões.
É possível vermos todos os doadores de uma determinada campanha e os respectivos valores doados. Para isso, é preciso entrar no perfil do candidato e clicar em “Receitas”. Inclusive, dá para baixar uma planilha em CSV com essas informações. É um recurso importante para investigar se, de alguma maneira, os candidatos eleitos beneficiaram doadores de campanha durante o mandato.
Outra área interessante do DivulgaCand é a parte de “Documentos”, onde os políticos apresentam suas certidões criminais. Além de vermos processos judiciais nos quais eventualmente estejam envolvidos, também é nesse local onde podemos conferir o número do CPF de cada candidato. Essa informação é útil, por exemplo, para pesquisarmos possíveis imóveis que eles não declararam à Justiça Eleitoral. Expliquei sobre esse tipo de pesquisa na DOND #2.
Repositório de dados eleitorais do TSE
Se o seu objetivo é fazer análises estatísticas das candidaturas (e comparar com outras eleições, por exemplo), um dos caminhos é acessar o repositório do TSE (também dá para baixar o arquivo de candidatos aqui). As bases de dados são grandes. Por isso, você não vai conseguir compilar em uma única planilha de Google Sheets ou Excel os dados de todos os estados. Portanto, leva vantagem a(o) jornalista que sabe programar ou mexer com SQL – e assim consegue manipular uma quantidade gigantesca de dados. Se não é o seu caso, não desanime. Depois de baixar os arquivos “zipados”, dá para abrir as planilhas por estado, individualmente.
Além disso, dá para pegar um atalho. Aqui, o TSE disponibiliza um dashboard com as principais análises estatísticas da eleição.
Mas a análise mais sagaz que vi até agora foi a da jornalista Cecília do Lago. Ela publicou um fio no Twitter sobre nomes de urna e profissões dos candidatos. Nesta eleição, temos 185 Lula, 99 Tiririca, 84 Bolsonaro, 3 Trump e uma única Shakira. Vale muito a pena ler toda a thread, que está bem engraçada.
CepespData
O Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) tem uma série de bases de dados eleitorais – baixados do Tribunal Superior Eleitoral. Mas o processo de análise é muito mais prático se compararmos com o trabalho que temos com os arquivos brutos do site do TSE. No entanto, os dados de 2020 ainda não estão disponíveis no CepespData. Por outro lado, dá para levantar informações de eleições passadas.
Podemos escolher uma série de filtros relacionados aos temas que queremos pesquisar. Por exemplo, quantas mulheres que se declararam pretas foram eleitas prefeitas em 2016? O resultado: apenas 10. Em relação a prefeitas indígenas, temos um único caso na última eleição
#PraCegoVer: Imagem de uma busca feita no CepespData, na área de “Perfil dos candidatos”. Temos cinco colunas de filtro selecionadas: ano da eleição (2016), sigla UE (que são os códigos das cidades), descrição do cargo (prefeito), descrição do sexo (feminino) e descrição da cor/raça (preta). E como resultado aparecem dez linhas. Ao lado do botão “limpar filtros” é possível clicar em CSV para baixar a planilha da pesquisa.
No CepespData, também dá para saber a votação dos candidatos nas últimas eleições. Fernando Holiday se elegeu vereador de São Paulo, em 2016, com 48.055 votos. E se quisermos descobrir qual foi o partido que mais recebeu votos para vereador do Recife em 2016? O PSB, cujos candidatos à câmara municipal receberam 1.245.648 votos. Enfim, o CepespData tem uma série de outros recursos super legais. Dá para se divertir muito e encontrar várias pautas interessantes.
Pesquisas eleitorais
Por lei, todas as pesquisas eleitorais têm de ser registradas no TSE. E você pode consultá-las aqui. Entre as informações disponíveis, tem o número de identificação da pesquisa, a empresa contratada, a data de registro, a abrangência, valor pago, metodologia e questionário aplicado.
Ufa, acho que por hoje deu, né?
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Hoje, fico por aqui. Mas estou sempre de olho nos dados!
Um abraço e até semana que vem, quando publicarei mais dicas sobre eleições.